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por João Paulo Mazili Costa
Um ataque de abelhas é algo onde um escalador deve saber como se comportar, pois o desconhecimento e o desespero podem lhe custar a vida.
"Esconder no bambuzal, proteger o pescoço e a cabeça, extintores, cheiro de ferormônio... Quais são os outros tipos corretos de procedimento para uma situação destas???"
Há poucos meses atrás, um acontecimento marcante interrompeu a tranquilidade de algumas escaladas em uma tarde de domingo no Cuscuzeiro, quando um enxame de abelhas enfurecidas promoveu um ataque relâmpago aos escaladores presentes, gerando pânico, desordem, acidentes e perplexidade. Nesse incidente/acidente, quase 28 pessoas presentes ficaram feridas, e a extensão do ataque atingiu um raio de quase 200 metros. Pessoas foram duramente atacadas simultaneamente em todas as faces do Cuscuzeiro.
A pergunta que abre este texto, feita por um escalador na lista de discussões do HangOn, deixa transparecer sua ansiedade em saber o que fazer e como se proteger durante um ataque de abelhas. Nas duas semanas que sucederam o acontecido, o assunto foi amplamente abordado, e várias opiniões foram surgindo. Nesta matéria, listei algumas dicas e recomendações, lembranças da convivência que tive com apicultores e instrutores, em um estágio que fiz no Apiário Modelo do Instituto de Zootecnia de Pindamonhangaba, em 1985 (estava lá no dia em que Tancredo Neves ganhou a disputa pela presidência do Brasil, contra o Sr. Paulo Maluf, no extinto Colégio Eleitoral, um pouco antes do movimento das "Diretas Já", lembram-se?). Nesse apiário ficamos quase 30 dias "internados" , trabalhando de sol a sol e tomando várias picadas todos os dias...

Em um só dia, fui "vítima" de um acidente que resultou em mais de 50 picadas desferidas em menos de 3 minutos.
Tive estreitamento da glote em função do choque, e o que segurou a bronca foi um Fenergan aplicado direto na veia, na entrada do Hospital Municipal de Pindamonhangaba, a uns 10 km dalí. Já parecia que minha garganta tinha sido substituída por um canudinho, e todo o ar que eu respirava entrava por alí. Passei um stress grosso. Posteriormente, trabalhei um pouco com abelhas, em Atibaia. As recomendações abaixo foram elaboradas considerando circunstâncias e contextos diferentes.
  • A primeira recomendação é correr para longe, se possível. Se afastar rapidamente do epicentro do acontecimento continua sendo a maneira mais simples e eficiente de minimizar um ataque de abelhas.
  • Caso não haja possibilidade de fuga, procure rapidamente algum arbusto ou vegetação fechada, e entre o mais que puder debaixo da folhagem, ficando imóvel e em silêncio. Outra possibilidade, esta para locais de vegetação rasteira, é permanecer deitado e de bruços (barriga para baixo). No capinzal, deite e se enfie o mais que puder , cobrindo-se puxando-o pra cima de sí. Cubra a cabeça com os braços e tente não deixar muitas aberturas na sua roupa. Se tiver um casaco, anorak, mochila, sleep, lona plástica ou qualquer objeto que possa ajudar a cobrí-lo, use-o e tente ficar o mais imóvel possível, com o rosto protegido pelo casaco/camiseta/mochila etc.
  • Não gritar, elas são atraídas por ruídos, principalmente os agudos.
  • Quanto mais escura a sua roupa, tanto mais elas podem atacar. Cores escuras alvoroçam as abelhas, que só enxergam direito as cores mais escuras. É por esse motivo que a maioria dos macacões de apicultor são brancos ou claros, porque essas cores as acalmam.
  • Se você tem várias abelhas grudando em você, entre na vegetação em silêncio e vá se esfregando nas moitas (quando há moitas pra se esfregar), que além de derrubar aquelas penduradas pelo ferrão vai disfarçando o cheiro do hormônio de ataque nas folhas.
  • Esse hormônio é realmente um prodígio da natureza, um sistema de comunicação eficientíssimo entre as abelhas de uma mesma comunidade, pois sabe-se até hoje que existem 3 ou 4 tipos diferentes de hormônios, cada um transmitindo uma orientação distinta.
Existem 2 tipos ligados a ataques. Ele são volatilizados no ar em menos de dois segundos após a picada, e permanecem durante uns 20 segundos sendo exalados, atraindo rapidamente outras abelhas, já com a ordem irrevogável de que devem atacar. Esse é o motivo pelo qual na maioria dos casos de ataques ocorrem grandes "concentrações" de picadas em pequenas regiões do corpo, também chamados de "empeloteamento de abelhas", e outras área do corpo com poucas ou nenhuma.
Eu tomei quase 35 perto do ombro, numa área menor que um palmo, e umas 15 ou 20 espalhadas no rosto e um braço. Não parava mais a agonia. Tudo em menos de 3 minutos. Ao contrário dos marimbondos, que podem picar "indefinidamente", as abelhas quando picam morrem, pois seu aparelho excretor e reprodutor sai, arrancado pelas ligações que tem com o ferrão e bolsa de veneno. As vezes, sobrevivem mais de um dia. Portanto, abelhas que estão penduradas após terem picado não picarão novamente, mas devem ser removidas por causa do cheiro.
  • Extintores de incêndio, sejam qual for, nunca estão disponíveis em casos de ataques, e seu raio de ação é restrito, por razões óbvias.
  • Procure manter a calma, como em todas as situações de acidente. Parece bobo recomendar isso, mas há relatos de pessoas que mantiveram a calma e tomaram um número significativamente menor de picadas do que outras mais deseperadas e que estavam bem ao lado.
Abelhas são seres muito sensitivos e refinados. Alguma coisa em nosso nervosismo as alvoroça. Uma vez, um mateiro foi levar a gente pra tirar uma colméia do pé de um toco podre, pra levarmos pro apiário onde eu trabalhei. Fomos os dois equipados, macacão e véu específico de nylon, e ele foi de calção, sem camisa e descalço. Ao perguntar-lhe se iria assim, vestido desta forma, garantiu que não tinha problema, mas recomendou timidamente que usássemos.
Durante a remoção, com elas zunindo furiosas, nós levamos 2 ou 3 picadas leves cada um, por cima da roupa, e o cara ficou o tempo todo do lado, a 1 metro da boca do toco. De vez em quando ele assoprava a fumaça do seu cigarro de palha nos braços e no seu peito, e boas, ficou alí tranquilo, e a gente elas tentavam devorar, mesmo usando o fumigador, que saía milhões de vezes mais fumaça do que o cigarro de palha... No fim, ele não levou nenhuma. Lembram-se daqueles doidos com enormes "barbas" de abelhas? Tudo isso é controle psicológico. Um amigo daqui de Mairiporã levou mais de 150 picadas, e ficou 4 dias internado, com inibição na coagulação do sangue.
As feridas pequenas que ele havia feito ao rolar o barranco de uns 30 metros, desesperado, não paravam de minar sangue, durante uns 2 dias.
  • Proteja sobretudo os olhos. Uma picada certeira, dada diretamente na superfície do olho tem quase 90% de chances de ocasionar a perda total da visão. Há casos relatados. Na pior das hipóteses, se o ataque for muito forte e você não conseguir abandonar o lugar, pense direto nos olhos, e não os abra. Fique de bruços no chão e cubra a cabeça o mais que puder, de olhos apertados.
  • A magnitude do ataque é diretamente proporcional ao tamanho do enxame. Quanto mais numeroso, mais instável é o clima "político" nele, mais encorajado fica. Enxames populosos "clamam" por uma nova rainha, pra poder se dividir e migrar, no seu ciclo normal. Esse é um momento ruim pra cruzar um enxame desses. Por outro lado, uma vez dividido, se está ainda enxameando, ou seja, procurando por uma casa, ou acabado de chegar a um lugar que considerou adequado, passam a ser muito mais mansos. O que impressiona no ataque do CCZR é seu alcance, pegou pessoas na carteirinha, cume e paredão, além da trilhinha. E a rapidez com que foi desfechado. Era muita abelha.
  • Por fim, a triste verdade, que já foi reportada como lenda: cada pessoa possui uma reação distinta à picadas, e isso varia demais. Há casos de mortos com 3 picadas (sim, três) e casos de sobreviventes com mais de 250. Cientificamente, se diz que um ser humano pouquíssimo alérgico suporta no máximo 400 picadas. (Acompanhe texto ao final destas recomendações, para saber mais sobre aspectos clínicos das picadas e tratamento adequado)
  • Nestas situações, naturalmente não é possível seguir uma "cartilha" de passos pra se livrar do ataque, muitas vezes porque algumas circunstâncias impedem, por exemplo, pra quem estava encordado e na parede, ficar de bruços ou se esfregar na vegetação. As circunstâncias são muito importantes no desfecho dos ataques, e em geral só conseguimos nos lembrar e fazer uma coisa ou outra, nunca tudo, senão todo mundo se safaria bonitinho, coisa que infelizmente raramente acontece.
Tudo acontece sempre muito rápido, por isso mesmo é importante tomar uma atitude logo que a coisa inicia, pois logo depois instaura-se o caos e o desespero, impedindo-nos de pensar em uma atitude a tomar. Esse pânico representa perigo; podemos, em nosso desespero, cair de um desnível perigoso (no cume do Cuscuzeiro havia 2 ou 3 pessoas, que não entraram em pânico porque conseguiram se esconder precariamente no bambuzal, tomando picadas, mas se estivessem sofrendo um ataque maciço, poderiam se desesperar e sofrer uma queda de lá de cima, até isso é possível de acontecer), tropeçar, escorregar, ou mesmo se demorar a fazer algo e levar um número fatal de picadas.
Em todo o caso, se não existe um passo a passo, pelo menos é bom memorizar algumas coisas, e tentar se lembrar de algumas delas se um dia precisarem. Espero que nunca precisem, pois é um momento muito ruim. Espero que estas informações possam ajudar, caso necessário. Abaixo, segue um trabalho detalhado a respeito de providências médicas a serem tomadas em casos como este.

ABELHAS E VESPAS

Os acidentes por picadas de abelhas e vespas apresentam manifestações clínicas distintas, dependendo da sensibilidade do indivíduo ao veneno e do número de picadas. O acidente mais freqüente é aquele no qual um indivíduo não-sensibilizado ao veneno é acometido por poucas picadas. Nestes casos, o quadro clínico limita-se à reação inflamatória local, com pápulas eritematosas, dor e calor. Na maioria das vezes esta situação é resolvida sem a participação médica.
Outra forma de apresentação clínica é aquela na qual o indivíduo previamente sensibilizado a um ou mais componentes do veneno manifesta reação de hipersensibilidade imediata. É ocorrência grave, podendo ser desencadeada por apenas uma picada e exige a intervenção imediata do médico. O quadro clínico em geral manifesta-se por edema de glote e broncospasmo acompanhado de choque anafilático.
A terceira forma de apresentação deste tipo de acidente é a de múltiplas picadas. Geralmente o acidente ocorre com as abelhas do gênero Apis, quando o doente é atacado por um enxame - em geral no campo. Nesse caso ocorre inoculação de grande quantidade de veneno, devido às múltiplas picadas, em geral centenas ou milhares. Em decorrência, manifestam-se vários sinais e sintomas, devido à ação das diversas frações do veneno. Este tipo de acidente é raro.
O quadro clínico decorre da ação das diferentes frações do veneno. Entre elas podemos citar: apamina, fosfolipases A e B, peptídeos da família melitina, peptídeos degranuladores de mastócitos (MCD), além de histamina, bradicinina e substâncias de reação lenta.
Ao darem entrada no hospital os doentes em geral apresentam dor generalizada, prurido intenso e agitação, podendo posteriormente evoluir para estado torporoso.
A utilização combinada de anti-histamínicos, corticosteróides e meperidina contribui para controlar a dor, o prurido e a agitação. A insuficiência respiratória pode se instalar precocemente, sendo em geral acompanhada de edema de glote, broncospasmo e edema generalizado das vias aéreas.
Estas alterações são causadas pela histamina liberada em decorrência da ação de frações do veneno, entre elas os peptídios da família melitina, a fosfolipase A e principalmente os peptídios degranuladores de mastócitos. A utilização de anti-histamínicos, corticosteróides e adrenalina, assim como a traqueostomia e/ou a intubação endotraqueal, seguida de ventilação artificial, contribui sobremaneira para controlar a insuficiência respiratória.
Hemólise intensa é freqüente, acompanhada de insuficiência renal.
É causada pela ação da apamina, pelos peptídios da família melitina e pela fosfolipase A sobre a membrana eritrocitária. Os doentes podem evoluir também com hipertensão arterial, decorrente possivelmente da hiperatividade simpática.
O tratamento de poucas picadas de abelhas ou vespas em indivíduo não-sensibilizado deve ser à base de anti-histamínicos sistêmicos e corticosteróides tópicos. Temos dado preferência à dextroclorofeniramina (Polaramine ® ), na dose de 2 a 6 mg pela via oral, a cada seis ou oito horas. Este tratamento deve ser mantido por três a cinco dias de acordo com a evolução clínica. Além disso, devemos adicionar corticóides tópicos isoladamente ou associados ao mentol a 0,5%.
O tratamento do indivíduo sensibilizado que evolui com broncospasmo, edema de glote e choque anafilático é o mesmo referido para as reações anafiláticas e anafilactóides, citado anteriormente neste capítulo.
O tratamento do acidente por múltiplas picadas de abelha ou vespas é sempre uma emergência médica. Infelizmente ainda não se dispõe de um soro específico contra estes venenos, embora já existam pesquisas em desenvolvimento. Devem ser tomadas as seguintes providências imediatamente após o doente chegar ao hospital:
  • injetar, via intramuscular, uma ampola de prometazina (Fenergan ®); em crianças utilizar 0,1 a 0,5 mg/kg de peso corporal.
  • injetar, via intramuscular, uma ampola de hipnoanalgésico do tipo meperidina (Dolantina ®); em crianças aplicar 1,5 mg/kg de peso/dia.
  • se estiver em estado de choque injetar, via subcutânea, 0,5 a uma ampola de adrenalina aquosa 1:1.000. Em crianças utilizar 0,01 mg/kg de peso corporal.
  • se houver broncospasmo com presença de sibilos, injetar, via intramuscular, uma ampola de aminofilina. Em crianças utilizar 7 mg/kg de peso o que corresponde a 0,3 ml/kg de peso, seguidos da instalação de cateter de oxigênio. Manter o esquema até o desaparecimento do broncospasmo.
  • cateterizar uma veia central, com posterior instalação de pressão venosa central.
  • administrar, via endovenosa, 1 g de hidrocortisona (Solucortef ®). Em crianças utilizar 7 mg/kg de peso corporal. Este esquema deve ser mantido por pelo menos três a cinco dias, de acordo com a evolução clínica.
  • hidratar bem o doente com colóides e cristalóides, induzindo a seguir a diurese osmótica com manitol a 20%, na dose de 100 ml, via endovenosa, a cada seis horas para adultos, e 10 a 12,5 ml/Kg de peso corporal para crianças. O manitol deverá ser mantido por pelo menos cinco dias. Deve-se tomar cuidado com uma possível desidratação iatrogênica. Quando o doente apresentar anúria o manitol está contra-indicado.
  • alcalinizar a urina com solução de bicarbonato de sódio na dose de 1 a 2 mEq/kg de peso/dose a cada seis horas, para prevenir as lesões renais causadas pela hemoglobinúria. O pH ácido da urina favorece as lesões renais.
  • retirar os ferrões um por um, com o cuidado de evitar a inoculação do veneno neles contido. Deve ser salientado que durante a picada apenas um terço do veneno contido no ferrão é inoculado na vítima. O restante fica no aparelho inoculador, situado na extremidade proximal do ferrão. A retirada incorreta dos ferrões pode ser acompanhada de compressão deste aparelho. Como conseqüencia haverá inoculação de grande quantidade de veneno. Para retirá-los, utilizar uma gilete ou um pinça de Halsted aplicada rente à pele.
  • sondagem vesical e nasogástrica.
  • aplicação de permanganato de potássio na diluição de 1:40.000, para anti-sepsia das áreas picadas.
  • alimentação enteral com cerca de 2.000 calorias por dia.
  • manutenção dos equilíbrios hidreletrolítico e acidobásico.
  • traqueostomia e/ou intubação orotraqueal, com instalação de respiração assistida, quando indicada.
  • diálise peritonial e/ou hemodiálise, quando houver insuficiência renal aguda.
  • prevenir a formação de escaras de decúbito; evitar infecções respiratórias secundárias. 

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